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Judeus da nação portuguesa

  • Foto do escritor: SIBILOG INFOMEDIA
    SIBILOG INFOMEDIA
  • 20 de mai. de 2021
  • 4 min de leitura

Ficaram conhecidos como “Judeus da nação portuguesa” os judeus forçados à diáspora após serem expulsos de Espanha e de Portugal nos finais do século XV. Eles formavam uma comunidade coesa, organizada, culta, com um idioma próprio – o ladino – e com uma prática do judaísmo que obedecia a tradições ancestrais com rituais distintos das outras comunidades judaicas.

Foram expulsos de Portugal pelo édito de 1496 proclamado pelo rei D. Manuel I. Este édito é considerado por muitos como um erro histórico por parte do rei de Portugal. Ao mesmo tempo que inaugurava uma era de prosperidade para Portugal, o rei D. Manuel garantia com este édito as condições do declínio do seu império, menos de um século mais tarde, em 1578, com a morte do seu bisneto, D. Sebastião, rei de Portugal, morto no campo de batalha em Marrocos, vitima não se sabe ao certo de que arma, mas com certeza vitima do fanatismo religioso.

“Todos os judeus e mouros forros que em nossos reinos houver, se saiam fora deles, sob pena de morte natural, e perder as fazendas para quem os acusar (…) os quais judeus e mouros deixaremos ir livremente com todas suas fazendas e lhes mandaremos pagar quaisquer dívidas que lhes em nossos reinos forem devidas”.

Ao serem expulsos de Portugal, os sefarditas sentiram-se profundamente injustiçados porque afinal eles já viviam na Península Ibérica bem antes dos cristãos a terem reconquistado. Aliás, esta tentativa dos reis de Espanha e de Portugal de convertê-los à força, tão pouco era inédita na Península Ibérica. No ano de 613 o vigésimo terceiro rei visigodo – Sisebuto – atraído pela riqueza acumulada pelos judeus que viviam no seu reino desde a época do imperador Adriano, forçou 90.000 judeus a receberem o batismo.

Reza a história que o entusiasmo de D. Manuel em expulsar os judeus não era grande. Parece que o fez sob pressão dos sogros, os poderosos reis católicos de Espanha – Isabel de Castela e Fernando de Aragão – e muito provavelmente pressionado também pelo clero português afogado em privilégios e mergulhado no fanatismo religioso que não encarava com bons olhos o convívio com os “assassinos de Nosso Senhor Jesus Cristo”.

Porém, ao expulsar os judeus, D. Manuel jogou fora a comunidade mais empreendedora, dinâmica e culta que havia no Portugal daquele tempo. Formada essencialmente por mesteres, artesãos, grafistas, tabeliães, médicos, astrônomos, homens de negócios, mercadores, intelectuais… era uma comunidade que contrastava com a ignorância dominante nas outras camadas da sociedade portuguesa subjugadas pelo obscurantismo.

Esses “judeus da nação portuguesa” como vieram a ficar conhecidos no resto da Europa, por se distinguirem dos demais em matéria de conhecimento e de dinamismo, instalaram-se nas grandes cidades europeias e mediterrânicas – Londres, Paris, Amesterdão, Antuérpia, Mogador, Gibraltar, Istambul, Beirute, Cairo… – e as transformaram nas principais praças de negócios do mundo daquele tempo.

Como consequência da descoberta do Novo Mundo por Cristóvão Colombo e do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama, as trocas comerciais explodiram a nível planetário e quem estava nas melhores praças é que fazia bons negócios. Lisboa que tinha condições geográficas e uma vocação natural para se ter tornado na melhor de todas elas foi ficando para trás porque lhe faltavam pessoas qualificadas.

Enquanto a nobreza e o clero portugueses estavam empenhados em perseguir os portugueses da “nação hebraica”, através do pagamento de “fintas”, de processos de “pureza de sangue”, de “habilitações de genere et moribus”, querendo saber se eles cobriam os mortos com um manto branco, ou faziam suas ablações virados para Jerusalém, ou guardavam o sábado, ou se privavam de comer carne de porco, ou varriam as casas de fora para dentro… o resto do mundo, ao contrário, estava empenhado em fazer negócios com os “judeus da nação portuguesa” por considerar estes mais espertos e inteligentes que os outros.

Foram descendentes de “judeus da nação portuguesa” com sobrenomes como Fonseca, Mendes, Pinto, Costa, Seixas, Cardoso… que fizeram de Manhattan e da City de Londres as maiores praças financeiras do planeta. Foram eles que fizeram de Antuérpia e Amsterdam as mais dinâmicas bolsas de diamantes do mundo…. O grande filósofo Spinoza era um judeu da nação portuguesa. O presidente da República Portuguesa Jorge Sampaio é descendente dessa comunidade de judeus. Pierre Mendes France que foi primeiro-ministro da França, também.

Judeus da nação portuguesa fundaram outras comunidades, como Montreal, Newport, Philadelphia, Charlotte, Nova Orleãs e participaram ativamente da sociedade dos Estados Unidos da América, formando uma elite política, econômica e cultural judia. Ainda hoje a maior e mais próspera, fora de Israel.

O parlamento português aprovou o Decreto Lei nº 30-A/2015 de 27 de Fevereiro através do qual permite o exercício do direito ao retorno dos descendentes judeus sefarditas de origem portuguesa que o desejem, mediante a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização, e sua integração na comunidade nacional, com os inerentes direitos e obrigações. É uma lei justa e generosa. Embora ela não apague as mágoas passadas, tem o mérito de tentar reparar o sofrimento infligido pelas perseguições.

No Brasil, calcula-se que cerca de 100 milhões de brasileiros têm sangue judeu correndo nas veias. Isto porque o descobrimento do Brasil em 1500 coincidiu com o auge da expulsão dos judeus da Península Ibérica e muitos fugiram para cá para escapar das perseguições. É óbvio que apenas uma ínfima parte desses 100 milhões de brasileiros está em condições de se beneficiar dessa lei reparadora. Muitos porque desconhecem seus antepassados, outros porque ignoram suas possibilidades. Sem contar aqueles que sequer têm condições de pleitear junto dos órgãos competentes os seus direitos. Não existe o menor risco de Portugal ser invadido por candidatos à nacionalidade portuguesa pela via sefardita. Isso não impede que seja muito gratificante saber que aqueles que outrora foram perseguidos hoje têm a possibilidade de recuperar sua cidadania.

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