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A roda dos expostos

  • Foto do escritor: SIBILOG INFOMEDIA
    SIBILOG INFOMEDIA
  • 20 de mai. de 2021
  • 4 min de leitura

A roda dos expostos ou dos enjeitados foi uma instituição de caridade que funcionou em Portugal entre 1498 e 1870. Havia rodas para receber expostos em toda a Europa católica. Em Portugal essa instituição de caridade era financiada pelo poder público e administrada pelas Santas Casas da Misericórdia. Elas funcionaram também no Brasil, primeiro em Salvador e depois no Rio de Janeiro.

Uma portinhola giratória embutida numa parede, com acesso direto para a rua, permitia depositar o recém-nascido em total anonimato. Chegavam quase sempre na calada da noite. Eram trazidos pelas próprias mães ou sabe-se lá quem. Os testemunhos desses rejeitados chegaram até nós através de relatos de família e pela leitura dos assentos de batismo.

O batismo era o primeiro ato realizado logo após a chegada do enjeitado. Frequentemente vinha acompanhado de sinais. O que eram os Sinais? Eram bilhetes com nomes, fitas, panos, objetos que mais tarde permitiriam identificar aquelas crianças expostas na roda. Através desses sinais muitas mães recuperavam de volta seus filhos. Porque elas os abandonavam na Roda? A maioria das vezes era por não terem condições de sustentá-los por viverem na miséria. Outras vezes era porque as crianças nasciam fora das relações matrimoniais. Sujeitas a uma grande censura, muitas mães preferiam dissimular os filhos nascidos dessa relações. Aquelas que tinham meios, recuperavam os filhos mais tarde.

Vou dar dois exemplos para entendermos melhor. O primeiro conta a história do meu bisavô José. Ele sempre contava com muito orgulho “Nasci numa casa que tinha tantas janelas quanto dias tem o ano“. Essa casa ainda existe, é conhecida como “A Quinta das Janelas”. Fica perto de Óbidos, Portugal. Quando o meu bisavô nasceu, em 1865, o proprietário da Quinta era um dos homens mais ricos da região. Um famoso ganadeiro que financiou a construção da Praça de Touros das Caldas da Rainha. Foi na roda dos expostos desta cidade que meu bisavô foi enjeitado, como prova o seu registo de batismo.

Verificamos que realmente ele não era um exposto comum. Os “sinais” que o acompanhavam, um enxoval de luxo para os padrões da época, indicavam que as razões do seu abandono talvez não fossem a miséria. A escolha do nome também era um sinal forte de que quem o abandonou desejava recuperá-lo mais tarde. Sabemos pelas histórias familiares transmitidas de geração em geração que ele teve acesso a uma boa educação e que foi realmente criado na própria Quinta das Janelas. Segundo sempre contou aos seus descendentes, sua mãe era uma criada irlandesa (testes de DNA feitos por descendentes confirmam essa informação) da Quinta das Janelas e seu pai o próprio dono da Quinta cujo nome adotou como nome de família: Faustino. Meu bisavô José Faustino teve nove filhos e filhas a quem deixou uma bela herança apesar de não ter herdado bens materiais nem do pai nem da mãe.

O segundo exemplo é o de Álvaro, exposto em 1831 na Roda dos Expostos da cidade de Guimarães, Portugal. Fui contratado por um de seus descendentes para desvendar os mistérios de seu nascimento. Fundador de uma dinastia de ilustres negociantes e fazendeiros da cidade de Franca-SP, Álvaro chegou ao Brasil com apenas nove anos de idade, junto com dois irmãos, Maximiano e Valentim, respetivamente com 10 e 12 anos de idade. Vieram sem família e viajaram ao cuidado do comandante do navio. Eis o registro de batismo de Álvaro:

Apesar de ter nascido exposto, Álvaro conhecia os pais. Quando se casou em Franca-SP com 23 anos de idade, no ano de 1854, declarou o nome dos pais que ficaram em Portugal e aproveitou para adotar como nome de família o nome da cidade onde nasceu, Guimarães.

Depois de intensas buscas, com a ajuda de um competente colega genealogista de Franca-SP, conseguimos desvendar o mistério: Álvaro e seus irmão eram filhos de um famoso bacharel de Guimarães. Sabemos disso porque na hora da morte a mãe deles conseguiu convencer o pai deles a casar com ela e a legitimar a prole, como aparece neste registro de casamento dos pais de Álvaro:

Uma vez que não havia qualquer impedimento civil nem canônico, ambos os pais eram solteiros, como explicar que estas crianças tenham nascido de “ilícita comunicação” e tenham sido expostas na roda de Guimarães?

Como explicar que Álvaro e seus 4 irmãos, filhos de um renomado e próspero Bacharel, tivessem sido todos expostos na Roda como se fossem enjeitados? O que teria levado o dito Bacharel a reconhecer a sua prole apenas no artigo da morte da progenitora de seus filhos? Em que circunstâncias três meninos, com respectivamente 9, 10 e 12 anos de idade, órfãos de mãe, foram colocados num navio, ao cuidado do Comandante, para atravessar o Atlântico indo de Portugal rumo ao Brasil? A quem foram confiados? Quem lhes deu suporte antes de se tornarem independentes, prósperos homens de negócios, empresários, agricultores e fazendeiros?

Vale lembrar, que em 1831, ano do nascimento de Álvaro, haviam passado apenas 10 anos que o Tribunal do Santo Ofício tinha sido enfim extinto em Portugal, depois de três séculos de constantes e ferozes perseguições contra os judeus. Talvez o Bacharel tivesse “boas” razões para manter dissimulada sua prole…

A montagem da árvore genealógica revelou que eram descendentes de sefarditas. Foi elaborado um relatório genealógico e pedido que fossem certificados pela Comunidade Israelita de Lisboa. Aguardamos resposta.

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